segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A integração curricular das TIC

“Porque não haverá uma nova sociedade, baseada em transformar informação em conhecimento, sem tecnologia, cultura e educação.” 
Heras, António Rodríguez de las ("comunicação pessoal,"15 de outubro de 2010)

As últimas duas décadas deram a conhecer um conjunto de transformações tecnológicas que trouxeram, implicaram consigo alterações significativas na socialização, nos produtos culturais, na relação entre as pessoas e na possibilidade de acesso à informação. As imensas transformações tecnológicas têm permitido criar uma sociedade de contornos e formatos novos, a chamada sociedade em rede, de que fala Castells (2002) que mais do que administrar informação tem relevância em aspectos económicos, sociais e culturais. Este contacto com recursos e suportes novos com especial destaque para os mais jovens que lhes deu o contacto com o mundo de um modo diverso e as ferramentas para poderem comunicar, tem feito acelerar as possibilidades e as interrogações que uma literacia para os media nos coloca.

 Estas ferramentas digitais vêm-nos colocar a questão essencial de como fazemos a integração curricular com estas novas possibilidades, e que valor, estamos a dar à criatividade, pois ela tem de ser um dos aspectos essenciais de uma aprendizagem diversa e funcional. A chamada leitura da informação, a construção contextualizada de recursos permitem aumentar o trabalho de partilha e de colaboração entre estruturas intermédias nas escolas. Estas ferramentas podem-nos permitir desenvolver experiências, projectos de aprendizagem em que tematicamente o digital nos forneça a ferramenta para uma utilização criteriosa de objectivos de estudo. As Literacias Digitais podem implementar janelas de experimentação em áreas como o conto ou a narrativa de histórias, a escrita criativa, partilhada e avaliada, a gestão e organização temática de recursos, a proposição de aprendizagens orientadas por tarefas como as Webquest, a colaboração em tempo real de processos de aprendizagem como nas Wikis, ou ainda a possibilidade de expressão individual do que cada um sabe. 

A construção que se deseja de pensamento crítico e da capacidade de pensar é essencial, nesta sociedade do conhecimento, como a definiu Hargreaves (2003) que permita com autonomia e responsabilidade criar laços de participação cívica. Todo este enquadramento conduz-nos àquilo que a escola pode ser, à redefinição das capacidades de como vamos compreender e utilizar a memória histórica, como podemos aprender usando as diferentes formas como o cérebro operacionaliza a inteligência. O digital acrescenta-nos possibilidades individuais de expressão pessoal e de criatividade, contextualizando o currículo de uma forma muito mais rica. Penso que o digital poderia ser a nossa possibilidade, neste País de reformular a educação e ver nela uma oportunidade de enriquecimento cultural das pessoas e de formação para a vida. Mas existem dificuldades, para usarmos uma abordagem optimista do que o horizonte nos mostra. Esta transformação pelo digital, mais do que no passado carece de uma ideia sólida, simples e coerente sobre o currículo. O currículo não pode ser visto como o foi encarado muitas vezes e de certo modo ainda o é, como um simples guião de estudos, com a descriminação de objectivos, conteúdos e actividades. Também não pode ser essa imensa simplificação do saber que é a ideia das competências que generaliza sem especificar. O currículo e o seu uso por uma ideia do que tem sido a capacidade do Homem para intervir na Natureza, o uso da tecnologia precisa de um saber que se realiza, que se sabe construir em múltiplas formas de o exercer. 

O currículo existe no seu sentido mais funcional para sabermos que escola, o que cada um de nós construiu ou constrói, que pessoa se formalizou com esta experiência, esta vivência de um conjunto de anos. E é isto que se continua a não perceber neste país. O currículo não é um produto embalado, pronto a ser digerido por alunos e oferecido pela competência dos professores. Ele enquadra-se numa ideia de organização, de gestão de escola e de autonomia real das possibilidades de cada um. Não para se criar a ilusão que em “Olivais da serra”, a física quântica não é a da “Avenida do mar”, nem que Mozart é uma incompatibilidade de genes, mas que localmente podem e devem ser criadas as possibilidades de igualar, não pela facilidade, mas pela capacidade de criar e de exprimir. Ora neste sentido diversificar é indispensável. Para concretizar uma ideia de cidadania na escola e dar possibilidades de expressão e de aprendizagem diferentes que o digital permite é necessário explorar com motivação acrescida, como mapas de ideias, mapeamento de conceitos, integração do áudio em podcasts, do vídeo em formas diferentes de expressar informação. É preciso saber que cidadãos se pretendem formar e o que se espera da escola e por isso no sentido que lhe dá Papert (1997) é necessário construir interesses nos alunos, usando os mecanismos funcionais desta linguagem.

E é evidente que uma escola pública em que o acto educativo é apenas um produto e cada vez mais standartizado e a educação uma mercadoria não é possível conceder as possibilidades que o digital nos pode dar a uma escola rica de experiências. Que valor tem hoje o currículo oculto nas reais aprendizagens dos alunos e como se relaciona com o processo de aprendizagem, quando a construção social que se espera está formatada em limites insensatos? Quando a ideia social de uma escola como valor cultural e a educação sem relevância objectiva real para todos os cidadãos, que possibilidades podemos nós construir com o digital, numa ideia de utilizar a tecnologia como uma criação de possibilidades e a expressão do que sabemos ser? Quando o professor deixa de ser relevante como pessoa, como possibilidade de agir culturalmente numa organização que currículo e tecnologia sobram realmente para construir? Quando são as tarefas técnicas de desempenho estatístico o que mais importa acima do valor individual e dos projectos de reflexão da própria capacidade de gerar conhecimento, terá ainda o digital capacidades para criar alunos para formalizar uma sociedade que sabe pensar e sabe distinguir o que é decente e moralmente aceitável? E assim sendo que escola afinal queremos ou podemos ter?

Referências:
CASTELLS, M. (2002). A Sociedade em Rede I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
HARGREAVES, A. (2003). O Ensino na Sociedade do Conhecimento. Porto: Porto Editora.
 PAPERT, S. (1997). A Família em Rede. Lisboa: Relógio d'Água.

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