quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Da nossa indiferença

«Olha! As palavras inocentes
rejuvenesceram-se afinal
e como noutro tempo as lágrimas brotam
dos meus olhos.
e recordo os dias há muito passados
e a terra natal a alegrar de novo
a minha alma solitária,
e a casa onde cresci um dia com as tuas
bençãos,
onde, alimentado com amor, bem depressa
o menino cresceu.
Ah, quantas vezes pensei que te
reconfortaria
Quando a mim mesmo me via laborar ao
longe no vasto mundo.
Muito intentei e sonhei e fiz-me chagas no
peito
à força de lutar, mas fareis com que as cure (...)
Que asssim, o homem mantenha o que em
criança prometeu.» (1)

"The world is so wrong", dizia John Lennon no início dos anos setenta e há dias em que quase tudo parece irrelevante. As palavras parecem inúteis, impróprias, insuficientes para nos fazer exprimir qualquer objectividade. Há momentos em que elas parecem incapazes de se redimir de si próprias e nos confirmam esta solidão extrema aonde nos conduzimos. Há dias tão tristes em que as palavras se perderam de qualquer noção de beleza. Este é mais um desses dias. 

Uma criança de treze anos morreu. Saiu da escola onde era agredido e decidiu colocar fim ao sofrimento que sentia. Aparentemente ninguém sabia, ninguém viu nada e após umas páginas de um inquérito inconclusivo, porque incapaz de responsabilizar ficamos mudos. A realidade chorará por uns instantes. Alguns dirão que é o espelho de uma sociedade contemporânea, onde episódios infelizes acontecem. Alguns acrescentarão  as dificuldades económicas e as situações de pobreza, qualquer coisa incompreensível, qualquer coisa não sentida. No próximo domingo, a caridade dos eleitos deixará mais uns cêntimos à porta da igreja e na próxima campanha um saco de arroz preencherá o grande nível humano de um país ensombrado pelos fantasmas do esquecimento, os do seu futuro.

Conversava de manhã, a tomar café com uns reformados e eles diziam-me qualquer coisa que a legião de comentadores não compreende e uma classe política fundamentada em privilégios, todos os dias acrescenta pela sua acção, "não há decência, nem dignidade pelas pessoas". Lembro-me dos que saíram à pressa de um sistema educativo sem glória, pois o acto educativo tornou-se um castigo.

Penso naquela conversa e em tantos casos de encolher de ombros das Direcções, dessa desistência pelas pessoas, dessa falta de valor institucional que as escolas desistiram de preencher e desta ausência, de quem na Primavera achou que o Inverno era mais encantador. E é porque nós não temos nenhuma ideia de escola, nenhum valor soberano que deixamos esta indiferença reproduzir uma sociedade que desvirtualiza as pessoas.  Temos a retórica da excelência, sem individualidade, sem igualdade de possibilidades, sendo num mundo de oportunidades, os provincianos que desistiram do valor sagrado da vida.

Todos os que por lá andam, sabem que a morte de uma criança (nestes episódios, em que este não é o único) assim como a indisciplina gritante é fruto dos sucessivos estádios de esquecimento por que as escolas passam. De negação em negação é a função pedagógica da escola que se perde e é o testemunho de uma sociedade que se limita a existir. O silêncio da maioria, é a grande ameaça aos direitos de cada um, disse-o Martin Luther King. Sem uma consciência de valores, dos deveres de cada organização, poderemos ser uma sociedade viável, de felicidade e conquista do futuro? Haverá educação depois disto? Sem ser jamais poderemos construir qualquer evidência de comunidade.

(1) Holderlin, Poemas completos

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